Desde a pré-história que o Homem desenvolveu a arte de matar para sobreviver, seja para comer, ou para se proteger. As habilidades que ele possuía para caçar eram semelhantes às habilidades que ele possuía para lutar, o que nos leva a pensar que as táticas fossem semelhantes. O Homem sempre entendeu que a sua sobrevivência dependeria em grande parte das habilidades conseguidas pelas suas mãos. Ao longo das gerações, a arte de combater sofreu melhorias, deixou de se combater a ver a cor branca dos olhos do inimigo e começou-se a criar distância entre os contendores, desde a construção de espadas e flechas, até à pólvora e munições. Com estas descobertas, inevitavelmente, atrofiaram-se as habilidades no combate desarmado do soldado, contudo, nos últimos confrontos mundiais, onde a ameaça é irregular e surge de forma inesperada, verificou-se que o último recurso pela garantia da sua sobrevivência está nas suas habilidades motoras.
Qualquer militar em virtude da sua função e da natureza das tarefas que executa, pode, a qualquer momento, tornar-se um alvo de vários ataques à sua integridade física.
Sendo assim, torna-se vital que saiba dar resposta a essas ameaças, seja numa situação de intimidação, ameaça verbal, combate desarmado e combate armado.
“Método de Aplicação Militar que tem por finalidade a aquisição de técnicas eficazes para utilização no combate com contacto físico, desenvolvendo características tais como a adaptabilidade, a autoconfiança, a combatividade, a coragem e a decisão e servindo-se de qualidades físicas como a força – a flexibilidade, e rapidez de reação, a coordenação
e o sentido cinético.” (Comando de Instrução do Exército, 2002, p. 7 anexo “B” ao REFE).
O CCC está inserido na componente de Treino Físico de Aplicação Militar, sendo consequentemente uma atividade prevista no âmbito da Educação Física Militar, onde se
realizam um conjunto de atividades visando a aquisição, o desenvolvimento e a manutenção de determinados gestos, técnicas e capacidades psicomotoras preparatórias para o combate. Em suma, o CCC deve ser entendido como a luta entre dois ou mais oponentes, recorrendo ou não, ao uso de armas para o confronto que se tornou inevitável, onde serão testadas as suas qualidades físicas, técnicas e psicológicas a par da sua destreza para a combatividade, flexibilidade e velocidade, melhorando substancialmente os seus reflexos naturais, a sua coragem, confiança, espírito de corpo e autodisciplina,
permitindo assim, a sobrevivência do militar no campo de batalha.
Entende-se por Defesa Pessoal (DP) como a arte de prevenir a agressão ou minimizar o risco dela, socorrendo-se da mesma para proteção e preservação individual, evitando assim constituir-se uma vítima. Para tal, implica que o militar permaneça constantemente em estado de alerta e desperto para todas as situações que possam surgir próximo da sua área de atuação. A aprendizagem da arte de combate próximo concorre para o aumento da proficiência técnica do soldado nas várias fases do espectro do conflito, em qualquer operação militar.
A luta Corpo a Corpo de defesa pessoal tem como princípios:
Serenidade – O militar deve lidar e enfrentar mentalmente as situações sem que o medo ou ódio controlem as suas ações; Perceção – Num ambiente de combate é fundamental o militar estar ciente de tudo o que o rodeia, nomeadamente nos 180º da sua retaguarda. Ao longo do combate mais oponentes podem aparecer, e nesses casos a situação é extremamente complicada, uma vez que estamos a lidar com múltiplos oponentes;
Posição Dominante – Durante o combate é crucial o militar garantir uma boa postura de combate, isto é, a postura ideal e essa deve-se traduzir na correta posição das suas pernas
e braços, permitindo desta forma um bom equilíbrio mantendo o peso corporal distribuído, mas ao mesmo tempo deve ser uma posição que lhe confira fácil movimentação, necessária para as técnicas de ataque e de defesa;
Distância – A distância é diferenciada em virtude dos golpes e técnicas que o militar utiliza quando em combate. Deve ser feito o raciocínio lógico da técnica utilizada de acordo com
a distância a que o oponente se encontra;
Agressividade – Possivelmente o princípio mais importante no CCC. Quando o militar recorre ao combate próximo, o nível de agressividade deve ser progressivo. Uma vez quebrado este princípio, a derrota é inevitável. O combate só terá o seu fim, quando
o oponente estiver neutralizado;
Fluidez – No Processo de combate a técnica deve estar em harmonia com a tática utilizada de forma a maximizar o potencial e causando efeito desejado no oponente o mais rápido possível;
Simplicidade – As técnicas utilizadas em combate devem seguir a linha da simplicidade, mas procurando sempre a eficácia. Quanto menos movimentos elaborados, menos possibilidade existe de comprometer os princípios enunciados.
Apesar de vulgarmente associarmos o termo “Combate Corpo a Corpo” ao confronto entre duas ou mais pessoas que combatem a curtas distâncias, onde o recurso a armas de fogo se torna desadequado, não é de todo o mais correto, pelo que arrisco-me a dizer que ao longo de muitos anos, fomos “desastrados” na forma como avaliamos este vetor, prova inequívoca da necessidade urgente em se priorizar e integrar esta temática na formação e treino do Soldado Moderno do exército português, por forma a prepará-lo para os obstáculos que podem opor-se ao cumprimento de várias tarefas/missões.
Alguns autores defendem que o conceito DP está associado à vertente civil enquanto o conceito CCC está associado à vertente militar, uma vez que o primeiro tem por base medidas preventivas/defensivas, ao contrário do segundo que se socorre de medidas ofensivas/letais. Outros acrescentam ainda que a DP tem por princípio evitar o conflito e que deve ser aplicada dentro de uma lógica de salvaguarda da integridade física e sobrevivência, ao contrário do CCC que pode ser utilizado para causar resultados letais.
Portanto, é possível verificarmos que existe alguma disparidade quanto ao propósito e enquadramento de cada uma das disciplinas.
Quer na vertente civil, quer na vertente militar, o uso proporcional da força deve ter-se sempre em consideração. Os civis regem-se pelo código penal, os militares, pelas ROE. Nem sempre os militares podem matar, como o “matar” não deixa de ser uma possibilidade para um civil, quando e só a sua vida depende disso. Isto para concluir
que ambas as disciplinas podem estar presentes quer numa vertente, quer noutra.
O Soldado Moderno deve ser capaz de combater nas várias modalidades: arma longa (espingarda de assalto, DMR, Metralhadora, caçadeira); arma curta (arma de recurso/arma secundária); combater com recurso a objetos de corte (baioneta, faca de combate, machado, machete, navalha); e por fim, sem armas, socorrendo-se apenas das suas habilidades motoras. Esta será portanto a lógica de necessidades para atribuição de competências motoras do Soldado Moderno no vetor Close Quarters Combat (CQC).
A aplicação do vetor CQC, na formação e treino do Soldado Moderno, trás muitas vantagens, designadamente o desenvolvimento das suas capacidades motoras, bem como
despertar os sentidos que originam o reflexo. Atribui a cada elemento, sentido defensivo e estimula o sentido ofensivo que, naturalmente, é ausente à maioria dos militares iniciantes, mas que deve estar latente nos mais avançados. Este vetor está subdividido na disciplina de técnicas CCC e técnicas DP.
Com o CCC procura-se, através da utilização de várias técnicas de combate, desenvolver a coordenação motora do militar para superar com inteligência e técnica, as variáveis de uma possível agressão de contacto violento. Esta subfase visa expulsar o receio, desenvolver a condição física, a coragem, a combatividade e o controlo de movimentos, resultando no total equilíbrio da mente e do corpo.
Com a DP, procura-se capacitar o militar a defender-se de adversários, armados ou não, através dos seus membros e/ou com auxílio de armas ou objetos, sem especial propósito. Indica-se ao militar, um conjunto de pontos críticos no corpo do oponente que juntamente com técnicas simples vão aumentar as suas capacidades no combate desarmado. Esta subfase procura desenvolver capacidades como a adaptabilidade, a autoconfiança, o reflexo e a velocidade do militar.
Em suma, e fazendo referência aos quatro pilares da sobrevivência: mentalidade adequada; consciência da situação; proficiência em habilidades; e aptidão física, o Soldado Moderno após adquirir todas estas competências, que constituem a base para o sucesso em todas as situações de combate, vai ser capaz de dar uma resposta firme, explosiva e letal, de acordo com as situações.
E nas Forças de Operações Especiais (FOEsp), o domínio das técnicas de CCC têm impacto no cumprimento da missão? Como é rentabilizado por estes Soldados de Elite o conhecimento técnico adquirido?
Sim! É extremamente importante. Digamos que é o expoente máximo de capacidades adquiridas por um Operacional. Como sabemos, o sucesso das SOF depende em muito da agilidade e flexibilidade dos seus operacionais, mas acima de tudo da simbiose de quatro
fatores de destaque: o homem certo; no lugar certo; há hora certa; com treino e conhecimento certos. Dentro das missões principais das FOEsp, Reconhecimento Especial (RE), Assistência Militar (AM) e Ação Direta (AD), destaque para a última por ser aquela que maior exigência e precisão obriga por parte dos operacionais que a executam. Caracterizada por ser uma ação precisa e direta sobre um alvo específico, limitada quanto à ação e duração e que geralmente é executada sobre alvos bem definidos, de elevada criticidade e de elevado significado estratégico ou operacional, é por si só uma ação que obriga a um domínio completo por parte dos operacionais. O conjunto de “skills” mais rentabilizadas neste tipo de ações são aquelas onde o contacto próximo estará garantido, ou seja, o tiro discricionário a curta distância e o CCC.
Em momentos em que o combate ocorre rápido e em ambiente tridimensional/Close Quarters Battle (CQB), há coisas que poderão falhar e por norma é quando mais precisamos delas. Mas, se isso acontecer o operacional tem de se adaptar, e se necessário estreitar o contacto o mais rápido possível para eliminar a ameaça de forma eficaz. E é aqui, que reside a separação relativamente ao Soldado convencional.
Enquanto forças convencionais devem estar preparadas para a utilização de técnicas de CCC no limite, FOEsp têm de adaptar o seu treino para não ter de as utilizar apenas no
limite, mas sim a determinada altura em que a missão assim o exige. Quanto à utilização de CCC por FOEsp, o conceito de sobrevivência continua presente, mas acima de tudo
deve ser evidenciado o conceito “Cumprimento de Missão”. Quando se aplica o CCC para sobreviver, há o entendimento que o foco está apenas numa ameaça e após a neutralização da mesma há um tempo de recuperação para reorganizar e continuar se for necessário, ao contrário do objetivo da aplicação do CCC para cumprimento de uma tarefa específica ou eliminação de um obstáculo.
As FOEsp, em CQB, têm de ser furtivas e letais, não havendo tempo para parar e reorganizar na maioria das vezes. É por isso que o Operacional tem de dominar e aplicar, sem dúvidas ou hesitação, o conjunto de habilidades que detém, de forma a garantir o sucesso da missão. Não há tempo para lutar de forma equilibrada, tem de se ser inteligente e perspicaz para se perder o menor tempo possível e evitar o máximo de exposição.
Relacionando o CCC nas FOEsp com um conceito de cumprimento de missão e não apenas o de sobrevivência, isto explica a razão de várias forças congéneres estarem constantemente a alterar os seus programas de treino de CCC. Sendo uma das tarefas elementares para o Operacional, o domínio das técnicas de CCC, há necessidade de se
dedicar horas de treino para alcançar a proficiência técnica. E são essas horas de treino e a procura incansável em identificar e corrigir lacunas, que obrigará à alteração constante dos programas técnicos. Esta alteração é positiva, pois procura dar respostas às fraquezas e deficiências encontradas nos programas anteriores. As alterações constantes das características do campo de batalha, exige que os operacionais das FOEsp sejam mestres no CQB, o que acarreta enormes responsabilidades, nomeadamente na adequada e sólida aprendizagem das habilidades para combate, num curto espaço de tempo e bem definido, ou seja, não se podem passar anos a desenvolver metodologias, sem que possam ser aplicadas em segurança e com eficácia.
Criatividade e Adaptação serão sempre dois aliados para o desenvolvimento cognitivo e motor do Operacional das Forças de Operações Especiais do Exército Português.
Cpt pM